21 de agosto de 2008

O bêbado e o cego

Tenho andado muito pelas ruas dessa cidade, correndo atrás dos sonhos de outras pessoas, e numa dessas andanças, me deparei com uma cena típica das cidades grandes e impessoais.
Estava ouvindo pela enésima vez a música mais pedida no rádio, parada sob o sol escaldante do cerrado em um desses engarrafamentos intermináveis, quando desviei minha atenção pra a esquerda. Ali, fixei meu olhar para ver a movimentação de carros da pista ao lado que, cumprindo as leis de Murphy, estava livre.
Uma figura se destacou. No passeio, esperando o sinal para pedestres se abrir, estava um jovem muito bem vestido com sua mochila nas costas, a caminho do trabalho. Camisa branca bem alinhada, óculos escuros no rosto e nas mãos, um acessório indispensável: sua bengala.
O sinal se abre e as pessoas começam a atravessar a rua ignorando a presença do jovem cego. Ele continua parado sem saber se pode ou não atravessar; sozinho. Uma jovem bonita se aproxima em cima de seu par de sapatos de salto, mas passa pelo rapaz toda importante, como se ela é quem fosse cega. Estava tão apressada que nem pôde olhar para trás para constatar o que esbarrou em seu braço.
Nesse momento, um novo personagem se destaca. Do outro lado da rua, um bêbado sujo e cambaleante vem atravessando, murmurando uma cantiga alegre que só ele pode conhecer. Descalço e sem rumo ele se aproxima calmamente sem se dar conta da pressa dos que vêm em sua direção. Mesmo alheio ao agito da cidade, de repente ele para. Como se tivesse encontrado um tesouro incalculável, ele abre um sorriso carente de dentes e se curva numa discreta reverência, e voltando seus olhos para o jovem cego, falando baixo, estende seu braço como guia.
Num piscar de olhos, lá estavam os dois em segurança do outro lado da rua, e antes que houvesse tempo para piscá-los de novo, o bêbado voltava tranquilamente de sua missão. Seus olhos mal conseguiam ficar abertos quando se encontraram com os meus, e mesmo sem nos conhecer, percebemos imediatamente a ironia de toda a cena. Sorri e ele sorriu de volta seguindo com sua canção, deixando pra trás, em mim, o sentimento misto de orgulho e indignação.

3 comentários:

letyleal disse...

Já tá nos meus favoritos!

Müller disse...

muito bom esse post...começou bem.

Anônimo disse...

O modo como conta a história me encantou muito. Beijos mil, chuchu!!